Entrevista com Camila Paier, escritora e blogueira gaúcha.

Hoje, 25 de julho, é o Dia Nacional do Escritor. Como forma de homenagear todos os novos e antigos escritores nacionais, trago aqui uma entrevista com Camila Paier, que escreve para o blog Calmila (por Camila Paier). Espero que gostem e conheçam os projetos e sonhos da Camila.





[RAÍSSA] – Quando surgiu o interesse pelo mundo literário? Você sempre escreveu? Quando despertou essa paixão?

[CAMILA] Comecei a escrever muito cedo. Na escolinha, lembro de ser a primeira a ler e, depois, escrever. Desde então, sempre criei historinhas na minha cabeça e fui uma adolescente que mais lia que saia por aí pra baladas. Aos 17 anos, comecei a escrever um diário, bem pessoal mesmo, anônimo. A coisa toda foi tomando uma dimensão que nem eu esperava e, quando vi, estavam me lendo. Na época, escrevia poemas também. Desde 2009, nunca mais parei, embora me dê umas férias vez que outra todo ano.

[RAÍSSA] – Em qual momento da sua vida achou necessária a criação de um blog para reunir seus textos? Como se deu esse processo, principalmente no que diz respeito à conquista de leitores?

[CAMILA] Como disse antes, foi tudo muito natural. Criei o blog pois era a fase do boom do mundo blogueiro, lia muitas coisas, tinha noções de HTML. Mas era algo totalmente caricato e onde eu reunia duas, três vezes por semana poemas meus e começos de crônicas sobre a dor e delícia de se ser jovenzinha (risos). Tudo sempre foi muito mais sensorial que premeditado na minha vida. Quis, fui lá, criei. Nada racionalizado. Os leitores foram aparecendo, os seguidores aumentando, e então comecei a divulgar mais nas mídias.

[RAÍSSA] – Há alguém em sua família ou em sua história que lhe influenciou para esse caminho da escrita? Se sim, quem?

[CAMILA] Minha mãe sempre foi uma leitora voraz. Ela quem me apresentou o mundo dos livros, dos cadernos, das palavras. Embora não escreva, é minha maior incentivadora. Meu avô, falecido em 2012, escrevia diários e poemas, coisa que só vim a saber ano passado. Tem familiar que acredite que herdei esse traço dele. Gostaria de perguntar, mas agora só quando eu for pro céu também.

[RAÍSSA] – Uma vez blogueira, como é conciliar a vida pessoal com as postagens?

[CAMILA] Difícil. Tenho fases. Enquanto solteira novamente, demorei pra me adaptar e desprender da opinião e da visão que novas pessoas poderiam ter sobre o que escrevo. Hoje, ando mais desencanada: quem me conhecer bem, me curtir e quiser estar comigo tem que entender que o que escrevo vai além de um alimento para o ego. As meninas que leem levam a sério. Se veem no que escrevo, compartilham, comentam entre si. É maravilhoso, mas complicado também.

[RAÍSSA] – A escrita é, muitas vezes, uma expressão do que vivemos. E quem acompanha seu blog vê muito disso em seus textos. Até que ponto suas experiências influenciam em seus escritos?
[CAMILA] Acredito que influenciam direta e indiretamente. Às vezes, escrevo algo e demoro mais de um ano para publicar. Noutras, logo depois de chegar em casa e ter vivenciado algo marcante, perco o sono e corro pro meu caderninho. Nem tudo que está postado ali é minha vida real, uma novela do cotidiano, coisa do tipo. Não. Tem vivências de amigas, imaginações minhas, pensamentos antigos. Tudo escrito, relido, às vezes aprimorado. Eu só posso falar daquilo que já senti, ainda que por osmose de quem eu quero bem.
[RAÍSSA] – Considera a escrita como um processo de “cura” dos entraves corriqueiros que todos nós vivemos?

[CAMILA] Já considerei. A escrita, para mim, é algo que organiza os pensamentos. Que mostra caminhos, que me elucida. Cura, hoje, só no divã da psicanalista. 

[RAÍSSA] – Hoje, como é o seu convívio com seus leitores? Classifica esse convívio como fundamental para o crescimento dos seus textos?

[CAMILA] É formidável. Eu adoro o contato com as meninas. É algo que me incentiva horrores a continuar com essa maluquice toda. E fundamental, claro. Quem não gosta de ver como humano e similar aquele que consegue falar pela gente? Quando comecei a escrever, achava incrível os escritores que se mantinham próximos e respondiam elogios, angústias, carinhos. Enquanto puder, quero levar desse jeito sim. Fiquei até mesmo amiga de muitas gurias que me leem.

[RAÍSSA] – Quais seus objetivos futuros, tanto profissionalmente quanto pessoalmente?

[CAMILA] Puxa, que complicado. Eu ando num momento de me descobrir. Posso dizer aqui que vou estar morando fora daqui um ano, cursando Letras lá fora e solteira. Podemos conversar novamente em julho de 2015 e é possível que eu esteja vivendo em Macapá, casada, grávida e trabalhando com Moda. Eu me apaixono pelas possibilidades no caminho. No momento, estou decidindo o que vai ser do meu segundo semestre desse ano.
[RAÍSSA] – Já considerou a opção de publicar um livro? Se sim, em qual segmento ele se concretizaria?

[CAMILA] Já, claro. Já tive contato com algumas editoras. Existem originais meus que ficaram em duas delas, inclusive. Hoje, acho que o faria em formato ebook primeiro e observaria as vendas, quem compraria, como ia ser. O complicado de se publicar sem ser de forma independente é que o escritor, quando não paga para ter o selo de alguma editora, recebe pouquíssimo sobre o próprio conteúdo. Caso eu venha o fazer no futuro seria de forma própria, independente. Para começar, acho que seria algo como um apanhado de minhas melhores crônicas. Um filtrão nas mais de 500 que já tenho espalhadas por aí.

[RAÍSSA] – Quais seus escritores preferidos? E em quais recebeu maior influência?

[CAMILA] Isso muda ao longo dos anos, né? Quem pressionou esse start em mim, lá em 2009, foram Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector. Peguei Perto do Coração Selvagem na biblioteca do colégio e me encantei. Até hoje, mesmo com aquela leva de gente cafona compartilhando frases bregas que os dois nem mesmo escreveram, são minhas maiores fontes de inspiração. Depois, vem Virginia Woolf, Ana Cristina César, Dorothy Parker, Marina Colasanti, Hilda Hilst. Sempre fui fascinada pela escrita feminina, não é à toa que é a ramificação que segui. Acho louvável que hoje se tenha tantas vozes femininas sendo disseminadas por aí.

[RAÍSSA] – Como se dá o seu processo de criação? Há algum “ritual” que efetue antes de escrever?
[CAMILA] Nada. Na maioria das vezes, sento e vomito as palavras. Detesto reler, é a parte mais dolorosa para mim. Mas eu sinto um tema, assunto ou mesmo, feeling puro e vou trabalhando aquilo na minha cabeça. Quando tenho um tempo e coloco algo legal pra escutar, me conecto com a intuição e a mágica vai acontecendo.
[RAÍSSA] – De onde tira inspiração para os seus textos?
[CAMILA] Do cotidiano. Das pessoas que eu quero bem. Das merdas que já vivi. Do som que eu escuto. De conversas que eu pego nos restaurantes, já que almoço sozinha. Daquilo que acho essencial passar à diante.

[RAÍSSA] – Se pudesse escolher uma obra já escrita para tomar como sua, qual obra seria?

[CAMILA] Eu sou apaixonada pela forma com que a Lionel Shriver escreve. Li Precisamos Falar Sobre o Kevin em três dias e, por mais que seja um livro pesado, é surreal como essa mulher sabe costurar os fatos, enfeitar com detalhes as situações, tornar real algo que poderia ser só do nosso imaginário. É um livro sensacional.

[RAÍSSA] – Hoje, o que representa a escrita em sua vida?

[CAMILA] Bem, é um dos meus alicerces. O tempo que fiquei sem escrever e criar esse ano me fez um tanto quanto infeliz. Desacreditada. Acho que, de novo embalada, eu poderia chamar de religião. Um ritual para a realização.


Camila, obrigada pela entrevista! 

Por excesso de amor.



Sofria aventuras tenazes a cada anoitecer. Se por criatividade ou descuido, pouco sabiam aqueles que tentavam constatar a causa de tantas crises sucessivas. As pernas, sempre entreabertas e para cima, viviam a frustrada tentativa de alcançar o céu sem tocar o teto do quarto. Os olhos eram inseguros, tão distantes quanto um porto inventado poderia ser naquele instante. Era rosada, muito embora permanecesse na inconstância de um ou dois toques pálidos por dia. Seus cabelos, encaracolados apenas nas pontas, traziam tantas lembranças quanto as cartas que ainda serviam de alimento para seres saprofágicos. Eram caminhos tortuosos, vias em desobstrução de um passado não tão distante. (E naquele instante, parecia tão próximo que poderia se fundir ao presente. As lembranças têm um poder assustador de locomoção. Nem sempre de momentos confortáveis – o aprendizado consiste na constrição por vias labirínticas.) Tinha olhos amendoados e um sorriso doce. O toque de suas mãos provocava uma inquieta sensação de ser transpassado por energias transcendentais. Tinha 4 anos, pernas ainda curtas e gordas e necessidades ainda em processo de adaptação — como é difícil narrar instintos corpóreos quando se quer tão efusivamente adentrar no que havia de mais bonito. Não posso dizer que algum dia tenha passado sem se questionar as razões que a trouxeram até ali. E como se questionava! Não só a si, mas a todos em volta.

Seus cabelos eram caminhos tortuosos, afinal. Seus olhos amendoados começaram a trazer lembranças que outros olhos âmbar tentavam esquecer. Seu sorriso doce trouxe sensações esquisitas que os olhos âmbar tentavam entender. Um mal-estar seguido de confusão e arrependimento. Quem poderia produzir vivências tão máculas sob um sorriso tão puro? Olhos âmbar produziam.

Se por culpa dos olhos, do sorriso doce, dos cabelos tortuosos ou das cartas que ainda serviam de alimento para a saprofagia, pouco poderia saber. Se era indiferente aos sorrisos, às amêndoas, à constrição por vias labirínticas ou aos papéis que ainda eram consumidos, pouco conseguia entender. Se trazia não apenas olhos âmbar, mas olhos âmbar que antecederam os olhos amendoados, com quase nada conseguia lidar. Seu sangue também corria naquelas pernas ainda curtas e gordas. Seus cabelos, lisos e comportados, desaprovavam os caminhos tortuosos que aqueles cabelos lhe traziam. Eram vias em desobstrução de um passado não tão distante, leitor. Eram não apenas lembranças, mas fatalidades. Advindos de um passado frouxo ou certeiro, pouco podia saber enquanto ainda tinha 4 anos, pernas ainda curtas e gordas e necessidades ainda em processo de adaptação. De onde nasceram as amêndoas que povoavam seus globos oculares, nem olhos âmbar conseguiam recordar.

Por não ter como apagar o que foi construído antes do toque do seu lápis, tentava reescrever sua história com rabiscos em lápis de cor e giz de cera. Por não entender nem nunca ter visto olhos amendoados como os seus, trazia a nítida impressão que também carregava olhos âmbar — eram os únicos que conhecia, eram os únicos que sabia pintar. Por não ter culpa — afinal, quem assumiria aquela culpa? — continuava rindo docemente para toda a imensidão âmbar que se estendia à sua frente. Por ser fruto do ilícito, inocentemente assumia seus genes aos se envaidecer por seus cabelos encaracolados como caminhos tortuosos. Por querer tocar o céu, continuava a jogar as pernas para cima, empalidecendo vez por outra por complicações respiratórias que os genes amendoados também traziam.

Os olhos âmbar observavam, enfim. Traziam não apenas lágrimas contidas, mas também uma atenção instigadora em ler cartas que serviam de alimento para seres saprofágicos. (Se toma pela atividade da saprofagia os olhos âmbar ou os vermes da gaveta, cabe ao observador a interpretação.) E chorava, escondia e superava. Não por ter aprendido a lidar com a saudade dos olhos amendoados que pareciam reviver naqueles 4 anos. E sorria, brincava e abraçava as pernas ainda curtas e gordas. O perturbador eram as noites, quando as amêndoas escureciam e tomavam as pálpebras por manto. Os olhos âmbar permaneciam vivos com suas cartas tomadas por seres saprofágicos. Enfim poderia chorar sem parecer afetada ou cansada por carregar pernas ainda curtas e gordas sem o amparo de olhos amendoados mais antigos. Não por fraqueza ou submissão; não por entrega ou martírio.


Por excesso de amor.

17 de julho de 2014.



Ponto final.




Desfiguro contra o próprio tempo
nesse pecaminoso intento:
escrevo.

Bastasse a folha que resguarda
ou o lápis que corre solto,
entrave algum tentaria amparo.

Bastassem as vidas,
tentativas pérfidas de me refazer em uma só;
bastasse o corpo,
desatino d’alma altiva.

O que me basta são as inspirações,
sussurros desvairados
d’algum mundo que me fez partir
sem despedida.

 O que me resta são os cortes, apagos,
o eterno resfolegar em pleno campo de centeio.
O correr a plenos pulmões,
rápido, frenético, torpe, inerte.

Enfim encontro o ponto.
 Ponto final seria a rima?
 De quantos contos faço o porto
Se nesse mar trago minha sina?



05/07/14



Um fragmento sobre escrevinhadores, personagens e sublimação.


Há uma leveza inócua que paira em minha existência. Não sei se algo parecido brilhou também na vida de escritores que admiro, mas vez por outra tendo a achar que sim, que faz parte da vida daqueles que tomam a escrita como rumo. A leveza, talvez não tão atraente ou compreensível para quem observa, se constitui em uma mania que adquiri durante os anos: o de eleger, vez por outra, uma pessoa do meu convívio para personagem dos meus escritos. Se é um aspecto doentio ou uma manifestação afetuosa, talvez só o tempo venha a dizer.

Obtendo ou não resposta, persisto com essa mania. Incurável, eu me atreveria a dizer. Também não sei exatamente qual a fórmula para a criação, mas por experiências passadas, já vi que não necessariamente a vítima precisa ter boa índole. Nem obrigatoriamente deve me trazer apenas sensações ruins. Talvez tentar fazer pão não do trigo, mas do joio, seja uma das graças que essa leveza me traz.
Foi assim que nasceram Petrine, Alice, Puma e outros tantos que permanecem ainda sem nome, ainda sem tanto apego da criadora. Espero que assim venham muitos outros para povoar tantas linhas descontínuas. Escrita é, acima de tudo, pura sublimação da realidade.

Raíssa Muniz
28/06/14